Como vários de meus outros textos, este surgiu como um trabalho de faculdade; neste caso, da disciplina de Psicologia da Educação. O trabalho proposto era em grupo, de tema livre, e com o objetivo de relacionar psicologia e juventude. Meu grupo decidiu fazer um recorte ao redor do tema música, então eu tomei para mim a função de escrever um pequeno artigo mais geral, relacionando os conceitos de música, juventude e psicologia; dando aos outros membros liberdade para escolher recortes mais específicos.
Fazendo uma releitura do trabalho agora, percebi que acabei tendo que usar um linguajar ligeiramente rebuscado em alguns pontos. Mas irei reescrever; ao invés disso, se algum leitor achar algo difícil e confuso, terei o maior prazer de explicar e clarificar nos comentários ou redes sociais. Acho este método mais didático.
Sem mais delongas, o artigo em si:
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1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo abordar, de forma sucinta, a relação entre a música e a construção da categoria social chamada juventude. Pretendo cobrir dois olhares: um mais geral, sobre o fenômeno psicológico da adolescência em todas as gerações, e um exemplo específico, do momento histórico em que esta categoria social ganhou reconhecimento na cultura de massa ocidental. Vou ainda refletir brevemente sobre por que a música tem um suposto protagonismo na formação da identidade dos jovens.
2. Definições de Juventude
Seria impossível cobrir aqui todas as problemáticas e discussões acadêmicas a respeito da juventude – como, por exemplo, a oposição entre a adolescência como um período de maturação das relações sociais (Helena Abramo), e a visão de Dayrell, que enxerga esta fase como um momento de construção (não maturação), mais profunda que um simples “fase de passagem”.
Vou começar, então, focando em uma problemática específica: a juventude seria - como afirma a maior parte da psicologia – uma categoria natural, posteriormente classificada; ou - como defende uma grande parcela dos historiadores – uma categoria socialmente construída pela cultura de massa e pelo mercado?
Começo esta discussão com uma citação ilustrativa:
“Nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus.”
Sócrates, século V aC.
Com o perdão dos colegas historiadores, me parece evidente (não apenas por esta citação ilustrativa, mas também por exemplos mais concretos) que o choque cultural entre gerações é um fenômeno social antigo e sempre presente, até arquetípico (seguindo a teoria de arquétipos de Jung). E este choque pressupõe a existência de (ao menos) duas categorias sociais distintas e agrupadas etariamente, assim adultos e jovens.
Trabalho então com a seguinte definição de juventude: uma categoria social, etariamente agrupada, criada pelo impacto social das transformações biológicas ocorridas durante a puberdade, e parte de um longo processo de construção de identidade.
3. O Surgimento Histórico da Juventude
Se os anseios e descontentamentos dos jovens parecem ser tão antigos quanto a própria civilização, o reconhecimento destes como um grupo próprio é recente e bem documentado. Até fins do século XIX e início do século XX, esperava-se que o indivíduo passasse diretamente da infância para a vida adulta, já com todas as suas expectativas e responsabilidades; no caso das garotas, com a primeira menstruação, e no caso dos garotos, com ritos de passagem, como o bar mitzva judeu e a crisma católica.
Apenas em 1898, o termo adolescent (que deu origem ao português adolescente, mas poderia ter sido traduzido como adultescente, alguém que está virando adulto) foi cunhado pelo psiquiatra norte-americano Granville Stanley Hall. No entanto, os usos do termo e do conceito ficaram quase restritos aos psicólogos durante as primeiras décadas do século XX. As exceções foram os movimentos militarizantes da juventude - como o escotismo, criado pelo tenente veterano inglês Robert Baden-Powell em 1908 e a Juventude Hitlerista da Alemanha Nazista.
Mas foi nos Estados Unidos pós Segunda Guerra que a juventude ganhou a cultura de massa. Com o boom econômico vivido pelos EUA neste momento, os jovens começaram a ocupar as fartas vagas de emprego oferecidas e a ter poder aquisitivo próprio. Uma consequência foi a maior independência deles de seus pais, o que acirrou o choque de gerações. Outra foi que a indústria do entretenimento enxergou nesta nova categoria um novo mercado consumidor, e inundou o mercado cultural com produtos direcionados a este público.
Em 1947 foi lançada para o público jovem feminino a revista Seventeen, que cunhou o termo teen (até hoje o termo mais comum para designar adolescentes em língua inglesa) a partir da terminação dos nomes dos números 13 a 19 em inglês. Em 1951 foi publicado o polêmico romance Apanhador no Campo de Centeio (Catcher in the Rye), de J D Salinger; primeiro best-seller com um protagonista adolescente. Atores como Marlon Brando (Um Bonde Chamado Desejo, 1951, e O Selvagem, 1953) e James Dean (Juventude Transviada, 1955) representaram este movimento no cinema. Na moda, a camiseta (até então considerada roupa de baixo) e a calça jeans (associada aos cowboys e operários) se tornaram o uniforme da juventude.
Mas nenhuma manifestação cultural marcou tanto a emergente identidade jovem quanto o Rock n’ Roll. Artistas como Bill Haley, Jerry Lee Lewis, Carl Perkins, Chuck Berry, Bo Diddley, Little Richard e Elvis Presley criaram um gênero musical que levou o embalo dos artistas negros para os jovens brancos de classe média – e que era um gosto, mais que todos os outros, exclusivo dos jovens.
4. O Protagonismo Musica
Por que é seguro afirmar que a música teve um protagonismo na criação da identidade jovem, frente às outras manifestações culturais? Os números do mercado da época nos permitem afirmar isso com facilidade, mas vale gastar um tempo tentando entender os motivos por trás disso.
Primeiramente e mais óbvio, a enorme acessibilidade da música, em uma época em que, apesar da televisão estar começando a se popularizar, o rádio ainda ocupava lugar central dentro das residências e estabelecimentos comerciais. Soma-se a isso o fato de que as pessoas em geral consideram mais fácil e cômodo escutar que ler.
Mas existem causas cognitivas, mais complexas, que explicam o alto poder de mensagem da música. A música transmite mensagem tanto de formas verbais quanto não-verbais. Mecanismos narrativos como a rima, o cadenciamento e a repetição (refrão) são antigos e auxiliam a memorização e a repetição da letra, o componente verbal. Já o ritmo - além de facilmente memoriável e reproduzível - é o mecanismo que une a comunicação verbal da letra, a não-verbal da melodia e a não-verbal da expressão corporal (através da dança, por exemplo mas não exclusivamente).
Ou seja, são muitas formas de comunicação diferentes e todas muito acessíveis contidas em uma simples canção, o que dá a música seu alto poder de mensagem.
5. Conclusão
Ainda que “inventada” racionalmente dentro de um contexto histórico bastante específico, a juventude é e sempre foi uma categoria social inserida no desenvolvimento do indivíduo, e que por excelência tende a colocá-lo em conflito com as gerações anteriores. Se este conflito é uma mensagem, nenhuma mídia tem mais poder para propagá-la que a música.
Do ponto de vista da Psicologia da Educação, compreender o papel da música na identidade do jovem pode ajudar o professor a se aproximar dele, o que facilita a comunicação entre estes dois indivíduos que fazem parte de grupos bem distintos.
6. Bibliografia
MED, Bohumil – Teoria da Música.
MOREIRA, Jacqueline; ROSÁRIO, Ângela; SANTOS, Alessandro - Juventude e adolescência: considerações preliminares. – 2011.
MOURA, Auro Sanson – Música e Construção de Identidade na Juventude: O jovem, suas músicas e relações sociais. – 2009.
OLIVEIRA, Vilmar Pereira de – A Influência do Gosto Musical no Processo de Construção de Identidade na Juventude. – 2012.
SAVAGE, Jon - Teenage: The Creation of Youth Culture. – 2007.